PRÓXIMO SARAU!

SARAU ERÓTICO


Sexta - 12 de março - 19:30hs
Cervejaria A Toca - Lima e Silva esq. Olavo Bilac
Entrada Franca

Convite no post abaixo


Somos um 'grupo' de 3 atores mergulhados no universo intimista da escritora reveladora de almas, Clarice Lispector (1920 - 1977).

Ucrâniana radicada no Brasil, Clarice é dona de uma obra e um questinamento singular, então convidamos todos para nos acompanhar numa viagem de idenficação com as histórias propostas pela Escritora...Uma brecha imaginária na nossa criatividade...

Sejam bem vindos e fiquem muito à vontade!

Tolérance vem apresentando uma série de saraus temáticos com performances teatrais se utilizando de elementos, figurino e trilha ao vivo que revelam sutilmente o universo do autor e questão.


7 VEZES 7...

"Tudo aqui se refere na verdade a uma vida que se fosse real não me serviria. O que decalca ela, então? Real eu não a entenderia, mas gosto da duplicata e a entendo. A cópia é sempre bonita. O ambiente de pessoas semi artísticas e artisticas em que vivo deveria, no entanto, me fazer desvalorizar as cópias: mas sempre pareci preferir a paródia..."

Clarice Lispector

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Pertencer

Clarice Lispector

Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém, nasci de graça.
Se no berço experimentei essa fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freita: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca, tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre.
Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro. Por motivos que nem minha mãe e nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas nascida.
No entando fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa, fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que mesu pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.
Mas eu, eu não me perdôo. Querereia que simplesmente tivesse feito um milgre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga, que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles da água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!